Naturalidade: Itabaiana-PB / Radicado em Brasília-DF
Nascimento: 31 de janeiro de 1935 // Falecimento: 24 de outubro de 2024
Atividades artístico-culturais: Cineasta e escultor.
Filmes/documentários: Romeiros da Guia (1962); A Bolandeira (1967); Vestibular 70 (1970); O País de São Saruê (1971); Incelência para um Trem de Ferro (1972); O Espírito Criador do Povo Brasileiro (1973); O Itinerário de Niemeyer (1973); Vila Boa de Goyaz (1974); Quilombo (1975); Mutirão (1975);
A Pedra da Riqueza (1976); Pankararu do Brejo dos Padres (1977); Brasília Segundo Feldman (1979); O Homem de Areia (1982); O Evangelho Segundo Teotônio (1984); Perseghini (1984); No Galope da Viola (1990); A Paisagem Natural (1991); Conterrâneos Velhos de Guerra (1991); Negros de Cedro (1998); Barra 68 (2000); O Engenho de Zé Lins (2006); Rock Brasília: a era de ouro (2011).
Reconhecidamente um dos maiores documentaristas do país, Vladimir Carvalho explora em suas obras questões sociais relacionadas à discursões que envolvem, sobretudo, poder e trabalho no Brasil.
Preocupado com a educação do filho, o pai conduz Vladimir a Recife, entregando-o aos cuidados de sua tia Alayde. Ali o menino começa, de fato, a cursar o primário, longe dos banhos de rio e dos apelos da feira semanal de Itabaiana, que para ele representavam uma verdadeira festa. A vida na metrópole pernambucana, apresenta-lhe um mundo inteiramente diferente de sua terra natal. Em 1949, Vladimir retorna à Paraíba para residir em João Pessoa.
Durante o ginásio, o cineasta foi aluno de Linduarte Noronha que na época ainda não era cineasta. Em 1959, Vladimir Carvalho fazia um programa de rádio, Luzes do Cinema, e atuava na imprensa local como crítico iniciante, Noronha então o convidou para escrever o roteiro de “Aruanda”, posteriormente, além de roteirista Vladimir também foi assistente de direção do filme com João Ramiro Mello. O filme baseou-se no argumento de Linduarte, uma reportagem jornalística publicada na imprensa nacional, sobre um antigo quilombo existente no sertão da Paraíba.
Após um desentendimento com Linduarte Noronha a respeito do documentário, Vladimir vai para Salvador concluir seu curso de filosofia. Lá conhece Glauber Rocha que estava preparando Deus e o Diabo na Terra do Sol, com quem integrou o movimento conhecido como Cinema Novo, sendo ao mesmo tempo influenciado e influenciando o estilo documentarista inovador do movimento.
Vladimir passava as noites na boemia artística, sempre na companhia de amigos, como Caetano, Torquato Neto, Orlando Senna e Álvaro Guimarães, teatrólogo e cineasta que lançou Maria Bethânia em Salvador, e Manoel Araújo, gravurista que posteriormente dirigiu a Pinacoteca do Estado, em São Paulo.
Foi em Salvador que Vladimir entrou para as fileiras da militância político-cultural no CPC, conhecendo muitos destes artistas e intelectuais e atuando junto com eles nas atividades comuns do Centro Popular de Cultura (entidade vinculada à UNE, União Nacional dos Estudantes), da Bahia.
Anos depois, recebe o convite de Eduardo Coutinho para ser seu assistente no filme Cabra Marcado para Morrer. Paralelamente a este envolvimento no Cabra Marcado para Morrer, visitou as filmagens de “Os Fuzis”, do cineasta Rui Guerra. Em 1964, ano do Golpe de Estado que instalou a ditadura militar no país, Vladimir e Coutinho foram surpreendidos em plena filmagem do documentário Cabra Marcado para Morrer, no engenho Galiléia, em Pernambuco.
A partir daí, Vladimir entra decididamente na clandestinidade, para se proteger da prisão política, oculta-se em um sítio nas proximidades da cidade de Campina Grande, na Paraíba. Com uma identidade falsa, passa a se chamar José Pereira dos Santos, conhecido apenas por Zé dos Santos, produtor de esculturas de santos de madeira, uma forma que encontrou para sobreviver, desenvolvendo a herança paterna e sua vocação artística.
Passados os primeiros sobressaltos advindos com o golpe de 1964, Vladimir viajou para o Rio de Janeiro com Eduardo Coutinho, onde foi apresentado a Arnaldo Jabor. Como diretor assistente de Jabor, Vladimir participou das filmagens de Rio Capital do Cinema e Opinião Pública.
Aprende com o Jabor a forma descontraída de filmar, desmistificando o endeusamento do ofício de cineasta que havia na época. Estabelece-se, então, no Rio de Janeiro, trabalhando como repórter no Diário de Notícias. Neste ofício de repórter, ele fica conhecendo todos os meandros da cidade. Frequentava o bar da Líder, onde se encontravam periodicamente diversos cineastas.
Em 1969, Vladimir apresentou o seu curta-metragem “A Bolandeira” no Festival de Cinema de Brasília, ganhando um dos prêmios. Neste cenário, reencontra Fernando Duarte, companheiro das filmagens do Cabra Marcado para Morrer que o convida para ficar em Brasília a fim de realizar o projeto do núcleo de produção de documentários do Centro Oeste na UnB.
Ele aceitou o desafio e ficou, sem saber que seria uma estadia permanente, o convite inicial era para permanecer na cidade apenas dois meses. Mesmo sem ter planejado inicialmente isto, adota então a cidade como sua e por ela também é adotado, tornando-se professor de cinema na UnB e importante líder intelectual local.
A partir de Brasília, ele pôde dar prosseguimento ao seu trabalho enquanto documentarista preocupado com as questões sociais. Realizou vários de seus curtas e longas metragens, ganhando inúmeros prêmios, entre eles, a Margarida de Prata, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros). Em 1992, Vladimir viaja para a Europa para ser jurado no Festival Cinéma du Réel, na França, onde Conterrâneos Velhos de Guerra (1991) é convidado hour-concours (expressão francesa que representa algo excepcional apresentado numa exposição ou num concurso, sem competir).
Em 1998, a Câmara Distrital confere-lhe o título de cidadão honorário de Brasília, pelos serviços prestados à cultura e por sua dedicação à comunidade brasiliense. Ainda neste ano, Vladimir dá início à produção de seu longa metragem Barra 68, filme que conta as agressões que a Universidade de Brasília sofreu com a ditadura militar e a dura repressão que se seguiu.
De acordo com a jornalista Susana Schild, “Além da obra filmada e das reflexões sobre documentários, Vladimir exibe uma rara qualidade: um entusiasmo inesgotável – pelo cinema, pela vida”, e adiciona “Simples, direto, pés no chão – mas sempre tomado pela paixão”.
“Eu tenho a noção de dever cumprido dentro das minhas possibilidades, eu só filmo se aquilo é um apelo que vem de dentro para fora. Que, se eu não fizer, vou sentir um desconforto. Algo que está em acordo com a minha formação, visão de mundo”, refletiu Vladimir.
Legado
A trajetória de Vladimir Carvalho no cinema brasileiro destaca-se pela profundidade com que explorou temas como desigualdade social e história política, especialmente em relação à construção de Brasília, sendo responsável por criar o espaço Cinememória, que preserva seu vasto acervo, incluindo filmes, câmeras antigas e cartas de cineastas renomados. A riqueza desse acervo, considerada um testemunho histórico do cinema nacional, é vital para as futuras gerações, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em parceria com a Universidade Federal do Tocantins, já realizou um diagnóstico para preservá-lo e democratizar seu acesso.
Fazendo parte do legado incontestável do cinema brasileiro e marcando uma grande perda aos seus colegas de profissão, o grande diretor paraibano faleceu na quinta-feira (24) de outubro de 2024. Sua influência abrangeu várias gerações de cineastas e documentaristas, inspirados por seu comprometimento em “mudar a linguagem cinematográfica brasileira”, segundo palavras do próprio governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que decretou luto oficial de três dias em homenagem ao cineasta. Em sua rede social X (antigo twitter), o governador destacou a importância de Carvalho, declarando em um dos posts: “Vladimir Carvalho dedicou sua arte para denunciar injustiças e dar voz aos desassistidos.”.
Vladimir faleceu aos 89 anos, deixando um conhecimento em suas obras que conecta o cinema à realidade brasileira, especialmente por meio de um olhar crítico sobre Brasília, cidade que ele considerava um “tambor de ressonância da nacionalidade”.
Contudo, preservar o legado de Vladimir Carvalho é essencial para que sua contribuição ao cinema brasileiro e sua luta por justiça social permaneçam vivas nas gerações futuras. Suas obras não apenas narram a história de um país em constante transformação, mas também inspiram novos cineastas a seguirem seu exemplo de compromisso e paixão. Assim, a memória de Vladimir continua a ser preservada, assegurando que seu legado perdure na posteridade.
“Eu me rejubilo e saio daqui todo me achando e comungando com o velho Camões: Estou em paz com minha guerra.”
Vladimir Carvalho, no trecho de encerramento de seu
discurso de Professor Emérito da UnB, em maio de 2012.
Fontes:
http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-565809/
https://renatofelix.wordpress.com/2015/01/31/vladimir-carvalho-80-anos/
http://www.blogdokennedy.com.br/vladimir-carvalho-doc-8-0/
http://www.paraibatotal.com.br/a-paraiba/cultura/personalidades/vladimir-carvalho
http://www.fundacaocinememoria.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=48&Itemid=56
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/morre-aos-89-anos-o-cineasta-vladimir-carvalho/
https://noticias.unb.br/informes/7626-universidade-lamenta-a-morte-do-emerito-vladimir-carvalho
https://notisul.com.br/morre-o-cineasta-vladimir-carvalho-referencia-do-cinema-brasileiro/
*Atualizado por Gabrielle Viana das Chagas em outubro de 2024.