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As Ceguinhas de Campina Grande. Um trio formado por três irmãs, cantoras e compositoras: “Indaiá” – Francisca Conceição Barbosa (1950), “Maroca” – Maria das Neves Barbosa (1945), e Poroca – Regina Barbosa (1944).
Elas nasceram cegas, em uma família de camponeses sem terra, trabalharam na lavoura desde pequenas, quando o pai, alcoólatra, as alugava como mão de obra temporária nas propriedades da região.
Após a morte do pai, quando Indaiá tinha apenas 7 anos, começaram a cantar embolada e a tocar ganzá nas ruas, feiras e portas de igrejas, em troca de doações, com as quais, além delas mesmas, sustentavam 14 parentes.
Analfabetas, elas viveram grande parte de suas vidas passando por várias privações, provações e violência. Como exemplos, o estupro sofrido por Poroca, e o assassinato do segundo marido de Maroca em 1996.
As meninas que cresceram cantando o coco de roda, nas ruas de Campina Grande e que pediam esmolas, ficaram conhecidas pelo seu dom e talento musical. E passaram a ser conhecidas pelo nome artístico de “As Ceguinhas de Campina Grande”. Residiram em várias cidades do Nordeste em busca de uma vida melhor. Mas a realidade sempre foi à mesma, o sofrimento, dia após dia, a pedir esmolas nas ruas.
“Passamos dificuldades demais. Era pedindo, tinha dia que comia e tinha dia que não. A vida da gente foi só de sofrimento, pedindo no meio da rua. O povo ficava colocando papel na bacia, dando tapa na cabeça da gente”, revelou Maroca. E acrescentou. “Eu tinha uma esperança. Tinha gente que dizia que isso nunca iria acontecer, eu dizia que ia, porque há um maior”, finalizou Maroca.
Mesmo com todas as dificuldades, as artistas continuam a perseguir o sonho pela arte, e por dias melhores. O repertório do trio aos poucos passou a incluir cantigas, cocos e outras formas do cancioneiro nordestino, acrescentando cada vez mais o improviso. As irmãs foram vistas e ouvidas em diversos palcos do Nordeste e em outros recantos do país.
Em 1997, o cineasta Roberto Berliner levou-as para uma participação no programa “Som da rua” da TVE. Em seguida, Berliner utilizou as gravações feitas para o programa para montar o documentário de curta-metragem “A pessoa é para o que nasce” (1998).
O documentário, de 84 minutos, conta a história de três irmãs cegas, de Campina Grande (PB), que passaram a vida cantando e tocando ganzá em troca de esmolas nas cidades e feiras do Nordeste.
No filme, “A pessoa é para o que nasce”, as irmãs cantam, tocam e falam de sua vida e suas memórias, conseguindo o mais comum em seus perfis, extrair humor dos momentos de dor. É tanto que ao explicar a cegueira, uma delas diz “O povo fala que nasceu assim porque a mãe é casada com um primo. Mas eu acho que não é não. Foi porque Deus quis mesmo”. Com entusiasmo, Maroca declara “Desde que eu era pequena que eu vivia assim, com uma bacia na mão, pedindo esmola e o ganzá cantando. Pra hoje, depois de já cair na idade, eu ser estrela de cinema”.
O sucesso do curta metragem, eleito o melhor da categoria “É Tudo Verdade” (1999) levou a um convite para participar do festival de percussão Percpan (2000), em Salvador. O grupo recebeu elogios de Naná Vasconcelos e Otto, além de ser homenageado numa composição de Gilberto Gil.
Junto ao filme “A pessoa é para o que nasce”, foi lançado um CD duplo com o mesmo título, que traz alguns diálogos reproduzidos do filme, predominando a parte musical, onde se podem ouvir participações de diversos nomes da música brasileira, como a de Hermeto Paschoal, que sonoriza com teclados a fala das irmãs.
No CD são destaques, entre outros, cocos como “Atirei no mar” (do refrão “Atirei na moreninha/baleei o meu amor”). Ainda se podem ouvir participações de Gilberto Gil, Teresa Cristina, Junio Barreto, Zé Renato, Pedro Luis e a Parede e do Rapper B Negão, no coco “Siga e venha, siga e vá”, classificado, pelas próprias irmãs, como difícil, pela quebra das palavras dentro do compasso.
Em 2004, Berliner lançou a versão em longa-metragem do seu documentário. No mesmo ano as três irmãs receberam a Ordem do Mérito Cultural. O filme protagonizado com as três irmãs foi lançado oficialmente em 2004 e acumula diversas premiações:
Festival Cinematográfico Inter Del Uruguai (2005); 8th Cine Las Americas International (2005); 22nd Jerusalem International Film Festival (2005); Melhor Filme de Longa-Metragem – Cine Ceará (2005); 36th Festival Internacional da Índia (2005); Mostra di Cinema Iberoamericano di Bologna (2005); Blackie Movie (2006); Melhor Filme de Longa-Metragem – Play Doc, Espanha (2006); Documenta Madri, Espanha (2006), Copa da Cultura – Alemanha (2006); Festival in Nicosia (2006); Seleção oficial Britdoc – Inglaterra (2006).
Em 2015, o trio recebeu pela segunda vez, mais um reconhecimento, a Ordem do Mérito Cultural, que foi entregue pela Presidente da República Dilma Rousseff.
As artistas participaram da novela “América”, levada ao ar pela TV Globo; do projeto “Encantadeiras”, levado a cartaz em temporada no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB)/RJ, ao lado do grupo Mawaca. O projeto “Encantadeiras” teve por objetivo homenagear mulheres brasileiras que utilizam o canto no trabalho, e uma referência no que se refere aos cantos populares tradicionais.
Segundo elas, depois do filme, a vida melhorou muito. “Com o filme somos mais respeitadas, porque antigamente ninguém dava valor. Quando a gente vivia na rua pedindo para sobreviver, não tínhamos sossego. Os gaiatos passava lá dando tapa na cabeça da gente, colocando papel na bacia em vez de dinheiro, mas depois eles passaram a respeitar mais a gente”, contou Maroca.
Recebendo aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), as irmãs deixaram de pedir esmola na rua depois que ganharam fama. Desde então, a vida nas ruas, realidade que elas viviam desde a infância para ajudar os pais, é apenas uma lembrança.
Com o dinheiro arrecadado na época do filme e com as apresentações em eventos culturais, as irmãs conseguiram comprar a casa própria em Campina Grande. Mas com o passar do tempo, elas passaram por alguns problemas, inclusive maus tratos por parte de um parente. E logo depois o filme, veio o esquecimento: “quando era na época do filme, chamavam para todo canto, depois esqueceram, e não nos chamaram mais para canto nenhum. Eu queria que chamasse porque a gente está esquecida, ninguém chama mais. Sonhamos em voltar a tocar pelo Brasil. Para ter outra viagem, para a gente espairecer mais, mas não chamaram mais, deixaram para lá”.
As artistas perderam tudo que ganharam na carreira por má administração de quem cuidava dos seus bens, e passaram a viver de favor na casa de uma amiga. Foram tempos a lamentar o ostracismo e sentir saudades do palco e dos aplausos do público, lembranças do auge da carreira. Passavam os seus dias a ouvir músicas nas rádios, e a lembrar do passado, de maus-tratos, e tudo enfim. Mas, com esperanças de um futuro melhor, e com novos shows.
Em 2015, o trio voltou ao palco em grande estilo, e foram destaques no programa ‘Domingo Show’, na Rede Record, no domingo, 4 de outubro. Indaiá desabafou emocionada. “Eu sonhava com esse programa e nunca imaginei está aqui”.
As Ceguinhas de Campina Grande comovem pela simplicidade de seus versos, ao cantar o Coco de Embolada, com a mistura do Samba. Onde quer que se apresentem marcam presença com seu estilo, carisma e talento, e evidenciam a cultura popular.
Falta nestas mulheres a visão, porém não lhes falta sensibilidade para perceber o que está ao redor e ao derredor. Com os olhos nublados, ganzá nas mãos, e autenticidade; elas conseguem transformar em músicas, verdadeiras lições de vida.
As artistas Maroca, Indaiá e Poroca fazem canções com linguagem e simplicidade única, com rimas e sem rodeios, e conseguem transformar em poesias, os pequenos detalhes do que é viver uma vida simples, superando obstáculos, conseguindo sobreviver em tempos tão difíceis. O trio é um exemplo de que forte é aquele que consegue transformar em luz o que é escuridão.
Poema em Homenagem – As Ceguinhas de Campina Grande – Poeta Rafael Melo:
No dorso da Borborema
Em uma campina incrustada
Três irmãs fazem morada
Lhes digo neste poema
São estrelas de cinema
Que brilham feito luar,
Vagalume a alumiar
Sempre ofuscando os olhares
Dos seus conterrâneos pares
Que param pra lhes olhar
Elas enxergam além
Dos olhos do preconceito
Adquiriram respeito
Construindo a arte e o bem
São três que valem por cem
Cantando a nossa cultura
Uma viva literatura
No coração de Campina
Três senhoras, três meninas
E um exemplo de bravura
Se um dia vocês me visse
Se um dia vocês olhasse
E se algum dia enxergasse
Se os vossos ói se abrisse
E se alguma luz surgisse
Pra que vocês avistasse
Talvez vocês num cantasse
Nem tocasse o seu ganzá
Mas Deus sabe o que nos dá
E a pessoa é pro que nasce
«Homenagem do Poeta Rafael Melo – As Ceguinhas de Campina Grande, março de 2016 – Cerimônia no Centro de Extensão José Farias da Nóbrega/ Universidade Federal de Campina Grande/UFCG».
Fontes:
https://www.facebook.com/As-Ceguinhas-de-Campina-Grande-142674769236264/info/?tab=page_info
https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Ceguinhas_de_Campina_Grande
http://www.dicionariompb.com.br/irmas-cantoras-de-campina-grande/dados-artisticos