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Data de publicação do verbete: 10/09/2020

Tragédia no Teatro Santa Roza

O que era para ser uma noite de espetáculo, terminou em uma tarde de pavor e morte.
Data de publicação: setembro 10, 2020
O que era para ser uma noite de espetáculo, terminou em uma tarde de pavor e  morte
(Broto Varandas)*
Inaugurado numa noite de vivas ao imperador D. Pedro II, a 3 de novembro de 1889, o Teatro Santa Roza integra de forma eminente, um dos mais belos e imponentes monumentos da Praça Pedro Américo, no centro de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba.
De estilo arquitetônico neoclássico, apresentando influência da arquitetura greco-romana, foi concluído na administração do presidente da província Francisco Luiz da Gama-Roza, de onde origina seu nome (Roza com “ z “).
Em seus dez primeiros anos de inaugurado, várias companhias convergiam para a Paraíba, proporcionando à comunidade paraibana, momentos de entretenimento e lazer. E entre esses momentos de diversão, evidenciam-se os shows de mágica, certamente o mais popular tipo de entretenimento do século XIX, no Brasil. Para um público fiel a esse tipo de espetáculo, os gerentes de teatro de primeira classe aceitavam o ilusionista como uma fonte de grandes audiências e elevados lucros. Entre os mágicos famosos que percorreu o país na época, um especialmente, permanece na memória de muitos: Balabrega – nome artístico do sueco-americano John Balabrega Miller.
Nascido na cidade portuária Helsinborg, Suécia, em 20 de agosto de 1857, filho de Jacob e Mary Balabrega, John tornou-se conhecido por suas performances de sucesso. Sua família era de descendência judaica e construiu reputação artística na Suécia e em meio a cidades européias, graças a Jacob Balabrega.
No Brasil, o nome Balabrega tornou-se conhecido durante a turnê do mágico em 1888, quando John, filho de Jacob, compartilhou seu espetáculo (uma mistura de magia, adivinhação e atos de ler mentes) com sua esposa e parceira Emma Lynden, cujo desempenho no show, incluíam pássaros treinados e apresentações com instrumentos musicais. Embora algumas apresentações tiveram audiências irreverentes, particularmente em Belém (PA), devido a acomodações para o mágico e sua equipe, a turnê de 1888 foi um verdadeiro sucesso em outras capitais brasileiras, principalmente quando chegou ao Rio de Janeiro, na época, Capital do Brasil e sede da Corte Imperial, onde o mágico ganhou o reconhecimento da imprensa e aplausos de um público seleto que superlotava o Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara (atual Teatro João Caetano).
Após as performances de sucesso na capital brasileira, entre os dias 2 e 7 de outubro, o mago foi para São Paulo e pouco tempo depois, em 14 de novembro, ele se apresentou em Buenos Aires. Permaneceu ali, na capital argentina, durante meses e executado em diferentes teatros. Foi no Goldini Theater, em março de 1889, que Balabrega e sua linda parceira Lynden apresentou uma nova atração surpreendente: a meio-mulher viva.
Na década seguinte, Balabrega iniciou uma turnê pela América Latina, México e novamente Argentina, onde em suas apresentações mostravam um seleto show de variedades, incluindo música, prestidigitação, leitura da mente, necromancia e truques de mágica.
Seu sucesso na cidade do México, de 1890 a 1893 foi estrondoso e sua mulher Emma Lynden, bastante aclamada, não só pelo seu talento musical tocando alguns instrumentos como o xilofone, sinos de trenó, gaita, taças e garrafas, mas também quando expôs seus canários treinados e a prática do exercício da adivinhação. No final do espetáculo, o público ficou de pé, aplaudindo a belíssima Lynden após seu extraordinário desempenho de “Miserere”, da ópera italiana Trovatore, de Giuseppe Verdi.
Viajando ao Brasil, sua companhia chega ao Theatro Amazonas, em Manaus e, mesmo apesar de tiragem limitada, devido a outras companhias de teatro intinerante na área, suas aparições foram bem sucedidas em 29 de abril e 1º de maio, marcando a despedida de Balabrega do Norte do Brasil. Não sabia o grande mágico que estava vivendo seus últimos dias.
Em 14 de maio, ele chegou em Fortaleza, capital do Estado do Ceará, Nordeste do Brasil, anunciando três ou quatro performances. A cidade com 48.000 habitantes era frequentemente visitada por sociedades, artistas e animadores.
Seu show de despedida foi realizada na noite de sábado, 26 de maio. A noite foi marcada pela presença da banda do Batalhão de Segurança do Estado. Foi uma noite nova de entretenimento divertido, mas os críticos não foram favoráveis ​​à Custódio, o palhaço, e à cantora dançarina Nina Carabelli. Mais uma vez toda a atenção e aplausos foram para o desempenho do show de magia. O truque mais sensacional e genial foi a “execução” de Balabrega no final do espetáculo, quando ele escapou da morte, ao ser atingido por uma bala de rifle. O público foi ao delírio.

Morte e pavor na Paraíba do Norte

Em junho de 1900, Balabrega e sua empresa parou no Estado da Paraíba, ainda no Nordeste do Brasil. A capital (agora João Pessoa) era então chamada de cidade de Parahyba e tinha 25.000 habitantes. A companhia de Balabrega iria se apresentar no Theatro Santa Roza, inaugurado em agosto de 1889, e acreditava-se ser assombrado desde a época de sua construção.
Na terça-feira, 12 de junho, após o almoço, os artistas e equipe de apoio estavam no palco organizando como seria o espetáculo da noite que se aproximava.
Encontravam-se também no teatro, pessoal administrativo e de apoio do teatro e alguns curiosos que encontraram um lugar discreto na plateia para assistirem aos ensaios.
No palco uma agitação contínua do povo preparando o cenário e colocando os aparelhos mecânicos e elétricos que seriam utilizados no desempenho do espetáculo em seus locais apropriados. Enquanto isso, os dançarinos realizavam um ensaio geral. Nada indicava que o perigo estava tão perto dessa trupe artística e que a mão da morte estava preparando uma tragédia.
O famoso mágico, que dedicou mais da metade de sua vida às artes mágicas, concentrou sua atenção em aperfeiçoar os efeitos de luz, indispensáveis ​​para as nuances luminosas, fragmentos artísticos para a célebre “Dança das Serpentinas”. Nesta performance, a dançarina usava vestes diáfanas e véus enormes e agitando os braços atrairia redemoinhos no ar, mudando constantemente com os movimentos, ao mesmo tempo enriquecido pela projeção de sucessivas e variadas luzes coloridas.
Antes das 17:00, quando Miss Susie Goodwin e outros artistas deixaram o teatro para o hotel, Balabrega e um membro próximo da tripulação, Louis Bartelli, ficaram para testar o projetor, em precário estado, para os efeitos de cor. O reservatório de gás de hidrogênio da máquina não estava funcionando bem. Parecia ser causada por uma obstrução em uma das trompas. Balabrega aumentou então a pressão do gás e inclinado seu rosto para soprar no tubo, provavelmente, a mistura do fogo com o ácido sulfúrico ou a gás, contribuiu para que acontecesse uma explosão. Foi um estrondo estarrecedor que ecoou por toda a Praça Pedro Américo. Com o impacto, as ondas de choque estraçalharam os corpos de Balabrega e Bartelle, atingindo o primeiro na região toráxica e, o segundo, na cabeça.
O incidente transformou em um caos indescritível, uma cena trágica de fogo e ruínas, sangue e corpos mutilados, gritos e gemidos de dor dos feridos. Pessoas que passavam pelo centro da praça correram para o teatro. O tenente Antonio Miguel, o empresário Antonio Paes de Albuquerque, o zelador do teatro Joaquim Polari e o turco Miguel Assis estavam entre aqueles que se voluntariaram para remover obstáculos e viu um corpo humano, aparentemente morto, em uma cena dantesca. O cenário encontrava-se totalmente destruído e algumas cortinas em chamas. O teto despencou, todos os lustres foram quebrados e os mais próximos instalados nas galerias laterais foram danificados.
Desoladamente, os socorristas viram o rosto de um homem jovem que estava morto, seu corpo completamente carbonizado. Ao lado de sua mão direita havia uma orelha amputada. Outros dois jovens trabalhadores na companhia Balabrega estavam cobertos de sangue, e tiveram membros quebrados e outros ferimentos, mas ainda encontravam-se vivos; eram Frank Maxwell e Allen J. Moore, ambos com queimaduras leves e muito sofrimento. Um espectador brasileiro, chamado Esteves Frederico Gentil, nascido no Ceará, onde a empresa já havia realizado espetáculos, também foi ferido e teve uma perna quebrada.
No centro desta trágica cena encontrava-se Balabrega, coberto de sangue, mas ainda respirava, apresentando ferimentos graves, incluindo membros quebrados e vísceras expostas.
Dr. Sá Andrade, chegou prontamente para prestar os primeiros socorros médicos e confirmou a gravidade das condições físicas de Balabrega. Ele tinha quebrado as pernas e braços, e possuía ferimentos por todo o corpo. Urgentemente, as vítimas foram removidas para o Hospital Santa Casa de Misericórdia, em carros próprios, porque a cidade não dotava de veículos apropriados para o transporte de emergência. Pouco depois, o hospital informou que Balabrega tinha morrido.
No dia seguinte, a população local, ainda desolada, lamentou o trágico episódio, sabendo através da imprensa, a luta heróica dos bombeiros, membros do Batalhão 17, que conseguiram uma ação imediata para combater as chamas e evitar a destruição do teatro. Os jornais “O Commércio” e “A União”, apesar de divergirem sobre os nomes das vítimas, lamentaram a morte do mágico John Balabrega Miller, 43 anos, e o cidadão americano Louis S. Bartelli, 22 anos.
Na quarta-feira, 13 de junho, às 16 horas, por iniciativa de alguns cidadãos americanos que se encontravam na cidade, as vítimas desta tragédia receberam uma cerimônia fúnebre honrosa, seguido por um grande número de pessoas que choravam a sua morte.
Ao cair da tarde, as portas do teatro fecharam-se, abrigando uma das mais tristes e horripilantes tragédias já verificadas na capital paraibana, retornando às suas atividades teatrais somente em 1901.
O teatro fechou suas cortinas para Balabrega. No entanto, seu nome ficou na linguagem popular da região. Como ele era um mestre da ilusão, um grande artista na arte de truques para iludir o público sensato, o povo comum na época criou uma nova palavra no idioma Português, utilizado no Nordeste do Brasil: “balabrega” – um apreciável substantivo, sugerindo uma variável aos termos charlatão, enganador, astucioso, fraudulento, fingidor…. Na verdade, ele, Balabrega foi no melhor sentido da palavra, um enganador, porque ele foi o profissional mais importante nesta arte eterna e fascinante da ilusão, que é a magia.
FONTE: Texto e fotos baseado em: ARAÚJO, Fátima. Santa Rosa. Um teatro centenário, 1989; RODRÍGUEZ, Walfredo. História do teatro da Paraíba. Só a saudade perdura, 1960; OCTÁVIO, José. Os coretos no cotidiano de uma cidade. Lazer e classes sociais na Capital da Paraíba. João Pessoa: Fundação Cultural do Estado da Paraíba, 1990; https://www.magictricks.com/biographies-of-magicians-B.html.
* Edival Toscano Varandas (Broto Varandas), Doutor pela UPE. Pesquisador .
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VARANDAS, Edival Toscano. Tragédia no Teatro Santa Roza. Available from World Wide Web: URL: https://www.facebook.com/groups/fotosantigasPB/. Paraíba fotos e fatos antigos. Grupo Público. Acessado em: 09 set. 2020.

3 respostas

  1. Olá,
    Passando para agradecer o texto completo e rico de detalhes. Importante fato da história da Paraíba. Apenas uma correção, creio que por erro de digitação: *Teatro São Pedro de Alcântara (Rj), atual “João Caetano”, não São Caetano.

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