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Letícia Rodrigues: por trás da mente da atriz de ‘Gisberta’

     Gustavo D.

A atriz e dramaturga paraibana Letícia Rodrigues foi entrevistada pela equipe do Paraíba Criativa na última terça-feira (30). 

Letícia é a idealizadora da peça  ‘Gisberta – basta um nome para lembrarmos de um ódio’, peça dirigida por Misael Batista onde interpreta Gisberta Salces Júnior, mulher trans brasileira que migrou para Portugal nos anos 80 após uma série de casos de homicídios à pessoas trans em São Paulo. Na cidade de Porto, no país europeu, ela  foi vítima de um destino trágico, assassinada aos 45 anos após ser brutalmente torturada por um grupo de adolescentes. Gisberta tornou-se um grande símbolo da luta LGBTQIAP+ em Portugal, e sua história é inspiração para diversas manifestações culturais.

Além de discutir a peça, que recebe novas sessões nos dias 12 e 13 deste mês no Teatro Ednaldo do Egypto em João Pessoa, a entrevista aborda a história de Letícia com o teatro e o preconceito no meio artístico. Confira:

Desde quando começou a se interessar pelo teatro e pela atuação em geral? O que ou quem te motivou a começar na área?

Letícia:  Tinha 9 anos quando fui fazer um curso no centro livre. De lá pra cá, nunca mais parei… Hoje tenho 38 anos.  Eu me inspiro nas minhas ousadias de fazer teatro desde de pequena. Com mais de 30 espetáculos realizados, destaco o infantil, que me tornou referência para as crianças. “Scooby-Doo”, onde interpretava o Salsicha Rogers, passou 16 anos em cartaz. No teatro adulto, estou com dois monólogos: ‘Eternamente Bibi’, uma homenagem à Bibi Ferreira, com mais de 15 prêmios, e Gisberta Salce, meu novo projeto  no teatro. Tenho vários espetáculos. Porém, a popularidade no meio artístico surgiu quando, junto ao meu irmão gêmeo Romilson Rodrigues, fazíamos as drags Diet e Light, também gêmeas. 

Qual foi seu primeiro trabalho no teatro?

L:  O espetáculo infantil ‘O Tesouro do Coelho Pirata’, com direção de Isa Yplá. No caso, meu primeiro espetáculo profissional, em 2000.

Explorando e apresentando para os dois públicos (adulto e infantil), quais as principais diferenças que você enxerga entre trabalhar com crianças e com o público adulto? 

L:  A criança é verdadeira, nada escapa dela. Com esse público, procuro sempre tratar com responsabilidade. Deixando claro, as crianças de hoje não são como as de antes. Por exemplo, tenho um espetáculo que dirijo, ‘A cigarra e a formiga’,  uma releitura da fábula. Ao invés do inverno, a cigarra sofrerá com a seca do sertão nordestino, recheado de ditos e verbos populares. O público adulto é uma conquista diária. Hoje, com mais de 20 anos de palco, o público adulto não vem pela obra que irei encenar, vem pelo que vou aprontar no palco.

Qual a distinção entre essas crianças de ontem e hoje, para você?

L:  A acessibilidade no mundo da internet em suas mãos faz com que vejam grandes obras teatrais, como os grandes musicais. Por isso, prezam pela qualidade artística. As crianças sabem o que é bom e o que é ruim.

Agora falando um pouco sobre o mercado… Para você, quais os principais desafios de trabalhar com o teatro e de ser uma atriz trans numa sociedade cisnormativa? Acredita que ainda tem muito preconceito no meio artístico?

L:  O meu corpo é um corpo político, apontado o tempo todo. Na rua, no ônibus, no mercado, na farmácia… Provando para a sociedade do que você é capaz. Para uns, sou um corpo higienizado. O que significa? O teatro me faz transitar em todos os setores por ser popular, porém paga-se um preço, seja no modo de se vestir, andar e falar. Algumas pessoas trans que não tem acesso a cultura ou estudos perdem oportunidade de empregabilidade, pois somos apontadas como “marginal” em algumas das vezes.

Acredita que ainda tem muito preconceito no meio artístico?

Letícia:  Sim, por isso faço questão de fazer a minha cena acontecer.

“Manter-se em pé na área é matar um leão por dia.”

Nesse contexto de preconceito, surge sua peça Gisberta. Como que começou o projeto e a decisão de homenageá-la? Qual a importância da peça e de a interpretar  para você?

L:  ‘Gisberta’ nasce na semana da visibilidade trans. Meu estudo começa quando, nas minhas inquietações, percebo que o termo transfobia surgiu depois da morte de Gisberta. Então, não pensei duas vezes em querer trazer a ‘Gis’ em terra. Quando falo assim, percebo que o público enxerga a Gis no palco.  Conversando com o enfermeiro dela, Sr. Nuno Correia, de Portugal, pedi para fazer uma videochamada comigo. Quando abri a câmera, ele disse: “Nossa, muito parecida”. Gosto de fazer biografia. Essa, tenho uma sensação de dever se cumprindo. A cada sessão, algo acontece. Pedido de desculpas, choros, entre outros… 

Gisberta Salce Júnior (primeira foto: Google Arquivos da Gisberta) e a atriz Letícia Rodrigues caracterizada como Gisberta para sua peça (Segunda foto, de Romilson Rodrigues).

Qual a mensagem que você busca transmitir com a peça e com sua interpretação da personagem?

L:  Uma das frases que falo tem haver com a mensagem. Olho para alguém da plateia e pergunto: “Você me convidaria para ceiar o natal com sua família?”. O que sempre falo é o respeito. Ninguém tá numa esquina à toa. A empregabilidade para nossos corpos é bem limitada.  

Então, a principal mensagem está ligada ao respeito e ao combate ao preconceito?

L:  Sim, as pessoas saem com uma reflexão e os comentários são os melhores no outro dia.

Como foi o trabalho e a preparação para interpretar Gisberta?  

L:  O trabalho vem ao pintar o cabelo para chegar próximo a personagem, emagrecer, até o perfume é o mesmo, tornando assim, um teatro sensorial. Convidei Misael Batista, que, para mim, é o maior diretor de teatro. A trilha sonora ao vivo é feita por Chris Maurício e Alexandra Oliveira. E minha caracterização é realizada pelo meu irmão Romilson Rodrigues, que faz com toda maestria o rosto da Gis em mim. O processo começa depois da conversa com o amigo e enfermeiro dela, Sr. Nuno Correia. Em uma das conversas, ele cita que os melhores amigos da Gis foram Carolina e Leonardo, seus dois cachorros. Como trazer eles em cena? Acredite, eles aparecem, através da mímica, pantomima e onomatopeias. O processo é contínuo.

Como poderemos ver o resultado de todo esse preparo? Quando e onde serão exibidas novas sessões da peça e qual o local que podemos nos informar mais sobre?

L:  Dias 12 e 13 de junho, no teatro Ednaldo do Egypto, às 20h. Em seguida, iremos para duas cidades de Minas Gerais, São Paulo e Portugal. Para ter acesso às informações, pode ser direto pelo meu Instagram @leticiaatrizpb.

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