O maior conteúdo digital de cultura regional do Brasil
Registro das artes e culturas da Paraíba
O maior conteúdo digital de cultura regional do país
Registro das artes e culturas da Paraíba

A escravidão do amor

Era o ano de 1982 quando eu escrevi o texto Anayde. Se eu não estou enganado, foi naquele mesmo ano, ou no seguinte, que a editora Brasiliense lançou a coleção Encanto Radical. Coincidência ou não, eu estava radicalmente tomado de encanto por Anayde, pelo que ela representava para mim naquele momento. Ainda não se falava o nome dela. Era até então um nome maldito na Paraíba. Eu mesmo, durante toda a minha vida de garoto e adolescente em João Pessoa, ouvia dizer que no assassinato de João Pessoa havia o caso com uma mulher a quem nunca ouvira pronunci- ado o nome. Foi somente em 1980 que eu soube quem era essa mulher, e soube o seu nome graças a uma matéria divulgada pelo Jornal da Tarde, de São Paulo, que publicou uma página inteira sobre os cinquenta anos da revolução de 30. No meio da página, havia um box que informava sobre o livro de José Joffily, Revolta e Revolução, no qual há um capítulo sobre Anayde Beiriz. Ao ler a matéria, fiquei totalmente encantado com o tema em que eu vislumbrava a possibilidade de escrever uma peça de teatro. Foi o que eu fiz há cerca de dois anos.

Escrevi o livro com o material que estava à disposição. Eu gostaria de escrever uma biografia completa da Anayde. Acontece que não havia como ainda não haver material suficiente para uma biografia. Além do mais, o próprio Joffily publicou uma biografia de Anayde Beiriz. À força de amar o mesmo tema, ficamos amigos, eu e o Joffily, apesar da enorme diferença de idade que nos separava. Diante dos problemas para levantar material biográfico, resolvi escrever não um livro de história, embora o seu fundamento tenha esse fim, mas a minha percepção poética do assunto, uma vez que não sou historiador, e embora eu ainda não soubesse disso tão claramente, acredito piamente que a his- tória não é fato, é lenda, é o que se conta - não necessariamente o que houve. Escrevi o livro e quando o entreguei à Brasiliense, o editor pediu para reescrever porque, segundo ele, a coleção se destinava a público ado- lescente, e a discussão que eu levanto estaria longe desse alvo. Tomado de encanto radical. - somente depois descobri que essa é uma característica minha - recusei-me a escrever o livro e o editor, obviamente, recusou- se a publicá-lo.

Mas o que eu quero dizer com isso tudo é que o leitor tem em mãos um livro escrito por um jovem autor de pouco mais de vinte anos, com toda a insegurança e incerteza se de fato poderia e saberia escrever algo que não fosse a tateante dramaturgia na qual eu então me lançava. Digo isso para pedir antecipadamente desculpas pelas possíveis incongruências que o leitor venha a encontrar na obra que eu nunca revisei, mantendo-me firme no propósito de ser radical como o fora Anayde - ao menos em minha leitura poética.

A memória de Anayde Beiriz é hoje um patrimônio da história da Paraíba graças à coragem de José Joffily, que nos revelou a dimensão moderna - e por fim heróica - de uma mulher simples, cujo grande feito foi ter amado livremente um homem que vivia no olho do furacão da conturbada política paraibana de 1930. Anayde era uma escritora de aguçada sensibilidade poética, o que nos revelam os poucos textos que dela se conhece, incluindo agora as cartas de amor trocadas com o namorado Heriberto Paiva (ele também possuidor de uma bela escrita, diga-se), no livro Panthera dos olhos dormentes, cartas trazidas à luz por Marcos Aranha, em 2005. Uma escritora de encanto radical.

Uma última palavra: na segunda parte do livro o leitor encontra o texto Anayde. Da mesma forma, é um texto de juventude. Se escrito hoje, algumas cenas e algumas palavras menos sensíveis ditas por Anayde (a personagem) não estariam presentes. Este texto conheceu enorme sucesso de público quando encenado em 1992. Eu o poderia ter revisado, entretanto, eu o entrego ao leitor com a esperança de ter os meus arroubos juvenis, senão compreendidos, ao menos perdoados.

Este livro é dedicado à memória do meu velho amigo José Joffily.

Referência 

VIEIRA, Paulo. A escravidão do amor. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. 205 p. ISBN: 9788523706548.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *