Ângela Duarte*
A atriz paraibana Danny Barbosa está no elenco do espetáculo Paixão de Cristo, realizado pela Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope). Atriz há cerca de 20 anos, Danny é conhecida por interpretar Darlene no longa-metragem ‘Bacurau’ (2019), de Kleber Mendonça Filho, que ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, um dos mais importantes do cinema.
Danny vê a escalação como um momento gratificante, tanto por sua carreira quanto pelo que isso significa para o quadro social.
“Sou uma atriz que está sempre tentando melhorar, e estou demonstrando às pessoas trans que podemos ocupar espaços”, conta a paraibana, que fez o teste de elenco para um espetáculo religioso pela primeira vez esse ano. No total, foram quarenta selecionados entre 170 inscritos.
A atriz paraibana, que também é professora de Língua Portuguesa, foi a primeira aluna travesti da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, agora, está no elenco da Paixão de Cristo da Funjope. Apesar de ser uma das primeiras, Danny Barbosa garante não será a última:
“Quero mostrar que pessoas trans são pessoas, e que como artistas somos ilimitadas”.
Embora o papel interpretado por Danny não tenha sido divulgado oficialmente, a atriz dá pistas de quem seja sua personagem. “Provavelmente será uma Maria, mas não a Maria mãe de Jesus”, instiga.
Maria negra: outro marco
A atriz mineira Erika Januza foi anunciada como Maria, mãe de Jesus. Essa não é a primeira vez que a Paixão de Cristo da Funjope tem uma mulher preta interpretando o papel, mas a escalação gerou repercussão nas redes sociais.
Sobre a escalação de uma atriz negra para o papel, Danny Barbosa celebra que “ser uma atriz travesti negra, contracenando com outra atriz negra é algo muito importante nos pontos de vista artístico, social e cultural”.
Além de Erika, outro ator global convocado foi o paulista Henri Castelli, que dará vida a Jesus.
Reações à escalação do elenco revela preconceitos
Após o anúncio do elenco, algumas pessoas que acompanham a Paixão de Cristo da Funjope se opuseram à escalação de Danny Barbosa, outras também criticaram a Maria negra de Érika Januza, chamando o evento de “Paixão de Cristo da lacração”.
Sobre as recepções negativas à Danny, a psicóloga e doutoranda em sociologia D’Angelles Coutinho Vieira reflete que essas reações resultam de uma expectativa social sobre o que é ser homem e o que é ser mulher. “A sociedade aprende desde cedo que só existem essas duas possibilidades e, quando se depara com uma pessoa que não se enquadra nesse padrão, como não-bináries, trans e travestis, a trata como se fosse de outro mundo. Quando levamos isso para o contexto religioso, que passou por um branqueamento e emana uma ideia de natureza relacionada à homens e mulheres, fica bem mais óbvio o incômodo”, explica.
D’Angelles, que é uma pessoa não-binária, sabe bem o que é não ser aceita pela sociedade. Ela confidenciou que já foi expulsa de espaços e celebrações distintas, como banheiros e casamentos: “É como se meu corpo incomodasse as pessoas”.
Para contextos como estes, a psicóloga apresenta o conceito de marcadores sociais, que geram desigualdade através da classificação e hierarquização de pessoas. Para D’Angelles, sem esses marcadores, o talento de Danny seria mais apreciado. “Se esse espetáculo não tivesse imagens, apenas sonoridades, as pessoas continuariam incomodadas?”, questiona.
O fato é que no país em que mais se matam travestis no mundo, mas que também mais se consome pornografia envolvendo essas pessoas, falta algo muito básico: o respeito e a humanidade. “Ocupar esses espaços é importante por uma questão fundamental: porque nós somos seres humanos, e, por isso, podemos fazer o que quisermos”, lembra D’Angelles.
*Editado 31/03 às 09:37 – Diferente do que foi dito anteriormente Danny não foi a primeira travesti a participar da Paixão de Cristo.